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STJ vai decidir se Cade pode revisar negócio já aprovado

Postado em 10/2016

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem na sua pauta desta quarta-feira (16/03) o julgamento de uma questão importantíssima no mundo dos negócios: pode o Conselho Administrativo de Defesa Econômica voltar atrás na aprovação de um negócio depois de alguns anos?

A questão, previsivelmente repleta de minúcias técnicas, tem como pano de fundo uma reviravolta na condução da Petrobras, acusações de concorrentes, participação de agência reguladora local e nacional e a possibilidade certa de prejuízo caso o ato de concentração seja revisto.

O caso que será analisado pelos 15 ministros mais antigos do STJ começou em 2004, quando a Petrobras e a White Martins  solicitaram à autoridade antitruste permissão para se unirem em um consórcio chamado Gemini. O objetivo do negócio era revender para a indústria e pessoas jurídicas o gás natural liquefeito (GNL) em cilindros.

O caso começou a ser revisado pelo Cade, com a abertura de um processo administrativo contra as empresas. Mas o processo foi suspenso em dezembro do  ano passado monocraticamente pelo presidente do STJ, ministro Francisco Falcão na SLS 2079.

Com a decisão, o ministro derrubou entendimento unânime da Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Os desembargadores da Corte Especial do TRF-1, por sua vez, haviam suspendido decisão monocrática do presidente do tribunal, Souza Prudente, contra liminar da 20ª vara federal do DF.

Para entender o imbróglio é preciso voltar alguns anos.

O início do caso

O empreendimento previa a construção de uma planta na refinaria de Paulínia (SP) pela White Martins, que cuidaria da liquefação do gás. Isso porque em estado líquido, o GNL ocupa menos espaço e pode ser transportado mais facilmente, em maiores quantidades.

A Petrobras entraria com o gás, que importava da Bolívia pelo gasoduto binacional. A White Martins liquefaria o insumo, armazenando em cilindros que seriam transportados pela região Sudeste, por Goiás e pelo Paraná – área de atuação do consórcio – pela GásLocal.

A Gáslocal é 60% da White Martins e 40% da Gaspetro, subsidiária da Petrobras.

O arranjo tomou a forma de uma joint venture entre as empresas, apresentada à autoridade antitruste em 2004 e aprovada dois anos depois pelo Cade, com algumas restrições.

Uma das principais exigências impostas pelo órgão para aprovação da joint venture previa “que fossem apresentados ao Cade, trimestralmente, pelo prazo de cinco aos a contar da data da publicação do acórdão dos Embargos de Declaração, [ … ] todos os preços, prazos contratuais e volumes contratados, por cliente, contendo ainda, o raio entre a planta do Consórcio localizado na cidade de Paulínia, Estado de São Paulo e a planta do cliente para o qual o Consórcio fornece gás natural liquefeito.”

Além disso, as “informações de preços, prazos contratuais e volumes contratados, por cliente, agrupados por faixa de raio (coroa circular) a partir da planta do Consórcio localizado na cidade de Paulínia” seriam divulgados nos autos públicos do Cade.

Judicialização

Para que o negócio desse certo, era preciso que o gás seguisse nos cilindros, após a liquefação, em preços competitivos com os concorrentes locais. Ao mesmo tempo, era preciso realizar o lucro e amortizar o investimento feito na construção da planta de liquefação, que fica na área da refinaria de Paulínia.

Por isso, as empresas se insurgiram contra a exigência do Cade de dar publicidade aos valores praticados e pediram que os dados não fossem tornados públicos. A restrição imposta pelo Cade foi, então, suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Dizia a decisão que “revelar a público toda a fórmula de cálculo do preço final do gás natural a ser comercializado pelas agravantes, seja dizer prazos contratuais, volumes contratados, relatórios de operações, inclusive os auditados, entre outras informações, irá simplesmente destruir qualquer possibilidade de a agravante e suas consorciadas competirem, já que seus concorrentes saberão exatamente o que faz e como faz, podendo comodamente apenas copiar a “receita” ou criar uma forma de anular seus efeitos benéficos”.

O Cade tentou derrubar a liminar, mas ela foi mantida. Os dados sobre os preços praticados pelo consórcio foram entregues como determinava o acórdão de aprovação da joint venture, mas o conteúdo não veio a público.

Reclamação, investigação e medida preventiva

O Cade foi acionado pela Comgás, concessionária de gás de São Paulo. A atuação do consórcio prejudicava a concorrência no mercado e a atuação da Comgás, em particular.
Isso porque a Comgás teria o direito de comprar o gás da Petrobrás em termos tão competitivos quanto o Consórcio Gemini – do que faz parte a própria Petrobras.

O Consórcio Gemini, em outras palavras, estaria prejudicando as condições de concorrência do mercado, retirando da Comgás a possibilidade de conquistar clientes de alto padrão de consumo.

Na prática, isso aconteceria porque as indústrias não atendidas pela rede de gás canalizado da Comgás, começariam consumindo gás em cilindros. Depois, sabendo que ali estaria um cliente potencial, a Comgás investiria na extensão de sua rede para atender aquela área.

Isso não seria possível, porém, segundo a Comgás, porque a concessionária era prejudicada pelo consórcio aprovado pelo Cade. O ato de concentração deveria ser anulado.

O Cade abriu processo para revisar a decisão anterior, anulando a autorização para funcionamento da joint venture.

Nos bastidores, as empresas avaliam que a divulgação dos preços ou a anulação do ato de concentração levaria ao fim do negócio. A planta de liquefação de Paulínia – concluída após aval do Cade à joint venture – não teria capacidade de competir comprando gás a preços mais altos da Petrobras.

O custo para o consórcio dobraria, segundo fontes ouvidas pelo JOTA.

A Procuradoria do Cade e a Secretaria de Direito Econômico se manifestaram contra o pedido da Comgás. Mas o questionamento da empresa levou o conselho a adotar a primeira medida preventiva desde a chegada da nova Lei do Cade.

A medida preventiva foi decidida quase oito anos depois da aprovação do ato de concentração, em agosto de 2015. Dizia:
(i) A obrigação da Petrobras de fornecer para o Consórcio Gemini de forma a não discriminar as demais distribuidoras de gás natural;
(ii) Suspender a eficácia do Anexo 6 do Acordo Operativo do Consórcio Gemini, firmado em 22 de outubro de 2004, e de todos os aditivos e contratos que o modifiquem;
(iii) A Petrobras e White Martins devem celebrar contrato de fornecimento de gás natural nos termos da Nova Política de Preços (“NPP”), a qual se aplica às concessionárias; ou alternativamente, contrato com condições idênticas ao contrato NPP existente entre as concessionárias de serviços públicos e Petrobras naquilo que se refere a obrigações intrínsecas ao fornecimento e preço, como obrigações de compra e venda de volumes mínimos, índices e fórmulas de reajuste de preços etc.;
(iv) A White Martins, Petrobras e Gás Local devem adotar contratos novos para reger a remuneração da White Martins e da Gás Local no Consórcio Gemini, até a decisão final do CADE no processo administrativo, desde que não sejam discriminatórios e que reflitam os reais custos econômicos da operação.

Nova judicialização

Petrobras e White Martins foram à Justiça e conseguiram nova liminar para suspender a medida preventiva, concedida pela 20ª Vara Federal do DF no dia 18 de junho. A decisão impedia o Cade de revisar sua aprovação à joint venture.

Desta vez, além da Comgás, o governo do Estado de São Paulo também recorreu. A decisão prejudicava o plano de expansão da rede de gás no Estado, obrigação da Comgás fiscalizada pela Agência Reguladora de Saneamento e Energia de São Paulo (Arsesp).

“O aumento da base de clientes é essencial à concessão e toda a coletividade, pois permite à concessionária alcançar os princípios da universalização, continuidade do serviço e da modicidade tarifária”, argumentou o estado.

Segundo o recurso apresentado à presidência do TRF-1 pelo governo de São Paulo, a existência do Consórcio Gemini distorcia os preços de gás no estado.

“Ao permitir que o Consórcio Gemini atenda potenciais clientes âncoras, localizados na área de concessão da concessionária com gás que adquire a preço subsidiado, a decisão cuja suspensão se pretende prejudica a concessão e o serviço público de gás canalizado, pois impede que a concessionária exerça tal serviço em sua plenitude”, assinalou o governo.

O desembargador Souza Prudente concordou parcialmente com esse argumento, mas foi derrotado na Corte Especial. O Ministério Público levou o caso ao Superior Tribunal de Justiça.

Decisão da presidência do STJ

Ao avaliar o caso, o ministro Francisco Falcão concluiu que o consórcio Gemini pratica “preços subsidiados” e “práticas discriminatórias”.

Além disso, o TRF-1 se imiscuiu nas funções do Cade, prejudicando a função do conselho de regular a concorrência no mercado.

“Especificamente, acerca do risco à ordem pública, deve ser reconhecido que o ato judicial questionado intervêm diretamente no âmbito da seara administrativa de competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, o qual decidiu, conforme prevê a Lei 12.529/2011 por editar medida preventiva adotando providencias para cessar a prática discriminatória observada”, diz um trecho da decisão de Francisco Falcão. “Neste ponto, a suspensão da medida enfraquece sobremaneira o Conselho, impedindo o mesmo de exercer o desiderato que lhe foi legalmente atribuído, revelando, ipso facto, verdadeiro dano à ordem pública administrativa no setor de regulação da ordem econômica.”

Falcão suspendeu o acórdão e a decisão da 20ª Vara Federal restabelecendo a medida preventiva do Cade.

A White Martins recorreu contra essa decisão de Falcão. É esse caso que os ministros têm na pauta da Corte Especial do STJ desta quarta-feira (16/08).

Outros aspectos

Nos bastidores, integrantes do Cade admitem que o conselho pode ter cometido um erro em 2006 ao aprovar a joint venture.

Mas acreditam que o conselho está correto em questionar o negócio agora, inclusive se for o caso de determinar o fim da joint venture, com a prática de preços equitativos pela Petrobras.

Do lado das empresas, há incompreensão com a decisão do Cade de revisar um ato já tomado. Na atual situação econômica, muitos antevêem demissões e prejuízos se o negócio ficar inviabilizado.

É esse o caso sob análise dos ministros da Corte Especial do STJ.

 

Fonte: www.jota.uol.com.br